domingo, 22 de janeiro de 2012

Juiz é Senhor, Doutor ou Vossa Excelência?‏



 "Você" ou "Doutor" ?  Ou seria Vossa Excelência ?

 LEMBRAM DO JUIZ QUE ENTROU NA JUSTIÇA CONTRA O CONDOMÍNIO EM QUE MORA,
 POR CAUSA DO TRATAMENTO DE "'VOCÊ" DADO PELO PORTEIRO?
 POIS É, SAIU A SENTENÇA, LEIAM ABAIXO.

OBSERVEM A BELA REDAÇÃO, BEM ARGUMENTADA, ATÉ SOLIDÁRIA DO JUIZ
 ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO PARA COM O JUIZ QUE SE QUEIXA, MAS....
 UMA VERDADEIRA AULA DE DIREITO E DE PORTUGUÊS!



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 Processo distribuido em 17/02/2005, na  9ª  vara cível de Niterói - RJ

 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - COMARCA DE NITERÓI -
 

Processo n° 2005.002.003424- 4


 S E N T E N Ç A

 Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por Fulano de Tal 
 contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO
 alegando o autor fatos precedentes
ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse
 tratado formalmente de "senhor".
 Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do
 pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de '
 Doutor, senhor"  "Doutora, senhora", sob pena de multa diária a ser
 fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano
 moral não inferior a 100 salários mínimos. (...)

 DECIDO: "O problema do fundamento de um direito apresenta-se
 diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito
 que se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio,
 in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).

 Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste
 sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se
 justificando tamanha publicidade que tomou este processo.
 Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito.
 Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução
 do conflito. 
 Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter
conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de
 cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor,
 sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda
 o probo Requerente.

 Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de
 autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é
 homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe
 assiste razão jurídica na pretensão deduzida.

 "Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado
 apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora
 de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau,
 e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição
 referir-se a outras pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio
 acadêmico.

 Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de
 título conferido por uma universidade à guisa e homenagem a
 determinada pessoa, sem submetê-la a exame.

 Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre" são títulos
 exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de
 mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade
 às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar
 distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades,
 não existe regra legal que imponha  obrigação ao empregado do
 condomínio a ele assim se referir.

 O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo
 cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é
 formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou
 incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O
 brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial
 a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso. 
 Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento
 respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo
 Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas
 freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais.
 Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de
 "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.
Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do
 nome da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando usados como
 prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na
 edição promovida por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano
 Seiscentista", nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escrito que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de
Janeiro, São Paulo, Record, 1999). 
 Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos
 fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico,
 como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar
 Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais
 Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser
 obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor"
 traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país
 como o Brasil de várias influências regionais.
 Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação,
 etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o
 empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna
 corpore daquela própria comunidade. 
 Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser
 agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo
 ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o
 postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da
 causa. P.R.I. Niterói, 2 de maio de 2005.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO /Juiz de Direito/


 NÃO É QUE, NESTE PAÍS AINDA EXISTEM JURISTAS HONRADOS E CULTOS?
 Nem tudo está perdido... Ufa!

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