segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Essa tal de "Daslu"‏

Sempre tive vontade de conhecer essa tal de Daslu. Já que estava em
São Paulo, por que não ir? Ainda mais depois que me disseram que lá
não existe nenhuma peça que custe menos de três dígitos, resolvi dar
uma de São Tomé e ver para crer. A entrada já foi um problema. O
segurança perguntou pelo meu carro - ou motorista. Quem já foi sabe
muito bem: Na Daslu, acreditem, não se entra a pé, somente motorizado.
Fingi que não era comigo e entrei.
    Fui recepcionado por uma loira escultural com sorriso de anúncio
de dentifrício, uma sósia escrita e escarrada da Ana Hickman, com
direito a 1m30 de pernas, chapinha no cabelo, olho azul e muito mais.
    'Where are you from?'
    'Quixeramobim'.
    'I beg your pardon!'
    Tava na cara que eu não era paulistano. Mas daí a me confundir com
gringo, já é demais. Eu lá tenho cara de estrangeiro! Como um cão
sabujo, onde eu ia, ela ia atrás. Dos milhares de itens que admirei
boquiaberto, um em particular me encantou. Uma bolsa tiracolo Prada
pra lá de maneira que imaginei que coubesse no meu orçamento.
Ressabiado, indaguei o preço.
    'Nove, apenas nove. E o senhor pode dividir de três vezes no cartão'.
    'Nove o quê?'
    'Nove mil...'
    ' Arre Égua!'
    A pequena ficou tão assustada com minha reação que cheguei a
pensar que  fosse chamar os seguranças. Mas não. Acho que ela sacou
que daquele mato  não sairia cachorro, no máximo um carrapato. Fechou
a cara, deu meia-volta e sumiu. Já que estava na chuva, resolvi me
molhar. Entrei num salão onde só tinha Armani. Como já estava
enturmado, perguntei o preço de um  'vestidinho' de festa. Adivinhem?
R$ 100 mil. Tu és doido?! Uma estola de zibelina? R$ 60 mil. Fico
imaginando quantos bichinhos foram sacrificados para
esquentar o lombo de uma madame. Um blaser Ermenegildo Zegna, e isso
lá é nome de grife?, R$ 13 mil. Um óculos Gucci, R$ 4, 5 mil. Uma
cuequinha básica do Valentino, R$ 260. Com direito a ouvir essa pérola
do vendedor:
    'Leve logo meia dúzia, tá na promoção!'. Imaginem quanto ela custava antes.
    Na adega climatizada não foi diferente. Um 'Romaneé-Conti', safra
2000, aquele do Lula, estava por módicos R$ 8 mil a unidade. Uma
garrafa de 'Johnnie Walker Blue', envelhecida 80 anos, uma das raras
existentes no planeta, R$ 55 mil.
    Fiz as contas e verifiquei que no final saí no lucro. 'Charlei',
vi gente famosa, coisas bonitas, tomei mineral Badoit, Capuccino,
Prosecco, Champanhe Taittinger, fartei-me de canapés, fois gras,
blinis com caviar, não era Beluga. Sou duro, mas sei o que é bom. Até
'confit de canard' tracei. De quebra, profiteroles e apetitosos
bombons trufados. As horas passaram voando. Minha acompanhante
finalmente apareceu e perguntou:
    'Vamos almoçar?'
    'Almoço? Estou almoçado e jantado!'
    Depois de conhecer quase tudo descobri que a Daslu é uma espécie
de zoológico sem grades. Só que os bichos somos nós. Eu e você.
    Acabado, me esparramei num confortável sofá. Enquanto esperava o
resto da turma chegar, abri um livro e relaxei. Mal virei a segunda
página, dois novos ricos falando alto, com mais sacolas do que mãos,
sentaram ao meu lado esnobando:
    '- Amanhã vamos para o nosso haras em Catanduva. - O réveillon
será no Guarujá'.
    Me deu uma raiva...
    Peguei meu celular e resolvi mentir um pouco:
    '- Fulano, não encontrei nenhum 'Summer' para o réveillon.
Abastece o jatinho. Partimos amanhã cedo para Paris. Essa Daslu tá um
lixo!'
 
    A cara que os dois fizeram, não tem preço.

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